Introdução
Durante a campanha presidencial, do segundo turno, fizemos uma análise exploratória sobre o engajamento dos usuários do Twitter em torno das campanhas de Bolsonaro (PSL) e Haddad (PT). Tendo em vista que elas se posicionaram fortemente no ambiente digital, em especial no Whatsapp, ambiente criptografado de difícil rastreamento, pensamos que seria oportuno acompanhar as movimentações nas redes monitoráveis, como é o caso do Twitter e Facebook.
O intuito foi verificar os efeitos dos sismos oriundos do epicentro desse embate digital, o whatsapp, pois acreditávamos que se havia uma onda estimulada neste, nos outros também haveria algum impacto que, apesar de em menor intensidade, seria diretamente proporcional. Os resultados demonstraram que a hipótese fez sentido, sendo possível capturar algumas informações sobre o comportamento das redes.
A campanha de Haddad adotou, no segundo turno, uma estratégia emergencial de ocupação sistemática do ambiente digital para fins de combate a fake news, estimulando e orientando a sua militância, o que foi plenamente abraçada pelos seus simpatizantes, apesar das persistentes oscilações. A rede de Bolsonaro buscou reagir a isso reforçando o seu engajamento digital, não obstante as denúncias de uso massivo de bots. No meio de tudo isso, foram surgindo acontecimentos diversos na imprensa, de pesquisas eleitorais a denúncias e polêmicas, que impactaram diretamente o desempenho dessas campanhas.
A equipe de Bolsonaro procedeu com uma estratégia forte de campanha digital desde o início do processo, e a de Haddad despertou para essa importância sobretudo no segundo turno, mediante, como dito, a uma convocação geral de suas bases de apoio. Isso impulsionou uma “guerra cibernética” por visibilidade e alcance nas redes, causando efeitos reais, supomos, nas dinâmicas algorítmicas das mídias sociais. Se antes a maioria dos usuários viam muito mais conteúdo pró-Bolsonaro, após a reação da campanha de Haddad passaram a enxergar também conteúdos favoráveis a este último, apesar do caráter extramamente tardio e mal planejado.
Em suma, enquanto um candidato adotou a estratégia de engajamento digital desde o início do processo, como fator crucial para alavancagem da candidatura, o outro candidato utilizou a mesma estratégia apenas em caráter reativo, buscando, como dizem na linguagem popular, “correr atrás do prejuízo”.
Seguindo essas premissas, mostraremos nesse artigo 2 grafos de rede (o Antes e Depois) e um conjunto de gráficos que mensuram quantitativamente o poder dos clusters formados em torno dos candidatos, a partir de dois dados cruciais: o número de sujeitos ativos e interconexões entre eles geradas por interações.
Metodologia
1 – Coleta, em tempo real, de uma amostra diária de 100 mil usuários que mencionavam as expressões Haddad e Bolsonaro;
2 – Aplicação do cálculo de modularidade (formação de agrupamentos);
3 – Identificação dos principais influenciadores do dia, pelo grau de entrada;
4 – Análise de contexto;
5 – Filtragem dos principais clusters (bolhas) posicionados a favor ou contra os presidenciáveis;
6 – Registro diário dos números segmentados de usuários e interconexões entre eles.
GRAFO (08 de outubro – início da campanha de segundo turno)

A situação no primeiro dia de campanha do segundo turno revela as seguintes forças políticas:
– Zona azul: Pró-Bolsonaro (15% dos usuários);
– Zona verde: Simpatizantes de Haddad (7% dos usuários);
– Zona vermelha: Pró-Haddad (10% dos usuários);
– Restante: não-identificados pelo algoritmo (68% dos usuários).
Gráfico 2 (Volume de tweets e retweets por acontecimentos)

Acima estão os principais acontecimentos diários que engajaram os usuários da plataforma. Em geral, foram notícias desfavoráveis a Bolsonaro, incluindo vídeos com falas polêmicas do candidato e de seu filho. A seguir, veremos de que maneira elas impactaram no ativismo dos usuários na rede.
Gráfico 3 (Volume de interação)

Total de tweets analisados: 4.423.671 tweets;
Amostra diária de usuários: 100 mil (totalizando 1.616.135).
Houve um aumento contínuo das interações durante o segundo turno, com pequenas oscilações. Os 3 picos de interações coincidem com os fatos mais polêmicos ocorridos na imprensa durante o segundo turno (gráfico 2).
Gráfico 4 (Quantidade de usuários ativos por segmento ideológico)

O volume de usuários ativos oscilou bastante na medida em que assuntos de interesse eram divulgados nos jornais. Os usuários pró-Bolsonaro (linha azul) demonstraram um grau de resistência muito maior diante das crises, em toda a campanha. A linha sugere uma sustenção bem estável do volume de participantes, oscilando negativamente apenas duas vezes, justamente no momento em que foram divulgadas as duas notícias mais ruins para a campanha, ainda assim, logo retoma a sua força.
Já em relação aos usuários pró-Haddad (linha vermelha), também verificamos essa participação estável, porém em menor número. Iguala-se ao volume de usuários pró-Bolsonaro apenas nos dois piores momentos de crise para o adversário, porém logo perde força, voltando ao seu estado anterior. Necessitando do apoio de novos simpatizantes (em geral oriundos de outras candidaturas ou independentes) da campanha, o que se viu foram altos níveis de oscilação (linha cinza), o que aparentemente revela ou uma certa descrença dos usuários numa possível virada de Haddad, ou mesmo uma subestimação do papel das redes sociais na virada de voto, ou as duas coisas.
Acreditamos que a primeira pesquisa divulgada (Ibope), soou como um golpe nos dois agrupamentos favoráveis a Haddad, e as pesquisas posteriores contribuiram decisivamente nessas oscilações cruciais para a derrota. Apenas nos momentos de acontecimentos polêmicos (como o caso envolvendo o STF e a denúncia da Folha) ocorreram algumas retomadas das redes para contra-atacar o adversário. Apesar disso, os usuários das redes não conseguiam manter o volume de engajamento por muito tempo.
Já na reta final de campanha, última semana, o lulopetismo muda mais uma vez a estratégia (emergencial) e enfatiza a virada de voto nas ruas, enquanto os simpatizantes de Haddad (mais independentes do partido) reforçam o apoio pela mídia social, gerando duas linhas de frente. O que era pra ter ocorrido desde o início, em toda a campanha, aconteceu apenas no final. Já era tarde demais. Bolsonaro era superior nas ruas e nas redes.
Gráfico 5 (Quantidade de interações realizadas por segmento ideológico)

O gráfico acima é bem claro quanto à grande diferença das duas campanhas na internet. Bolsonaro conseguiu um verdadeiro exército de voluntários engajados nas mídias sociais, mesmo nas horas mais difíceis, como as denúncias. Em que pese as evidências de uso de bots, o candidato obteve uma grande força a partir de uma militância orgânica espalhada pelo país.
A campanha de Bolsonaro simplesmente herdou múltiplas redes de whatsapp construídas desde 2013 por movimentos de direita, alcançando, inclusive, a última grande rede elaborada pela greve dos caminhoneiros. Em suma, herdou uma série de redes corporativistas de categorias insatisfeitas ao longo do caminho, sobre as quais só teve o trabalho de interconectá-las para disseminar a sua visão de mundo e de governo.
Com essa valiosa herança em mãos, seus seguidores foram superiores em engajamento digital em toda a campanha, mesmo tendo, a rigor, um menor número de usuários ativos no Twitter nas amostras colhidas diariamente em nosso levantamento. Isso nos leva à seguinte conclusão, se por um lado eles eram um exército menor, por outro sustentavam muito maior poder tecnológico e de ofensividade nas redes, devido à ampla articulação envolvida em torno de um único objetivo: eleger alguém disposto a abraçar-lhes, ainda que desconhecido (inclusive em seus planos), para humilhar o status quo e a suposta soberba dos adversários.
Enfim, diante do gráfico acima, percebemos que apenas na prévia da eleição o desempenho pró-Bolsonaro é ultrapassado pelos simpatizantes independentes de Haddad, ainda assim muito discretamente, o que revelava apenas um soluço de desespero para tentar evitar o que, no fundo, todos já sabiam o que iria acontecer.
O Grafo Final (um dia antes da votação)

Nesse soluço de desespero, a três dias da votação, Haddad obteve ampla visibilidade no Twitter, superando em muito o seu oponente na amostra analisada. No entanto, já era tarde demais, como dito, para refletir uma mudança efetiva do voto nas ruas.
Esse grande movimento tardio pró-Haddad ainda precisa ser explicado com o tempo. Por que Haddad – assim como Ciro Gomes no final do primeiro turno – conseguiu um “tsunami” a seu favor apenas no apagar das luzes? Por que esse movimento não foi sustentável como a rede de Bolsonaro desde o princípio do processo eleitoral? A estabilidade do candidato vencedor estaria ligada ao uso massivo de bots para gestão de crises na redes? Afinal, diante de uma grave crise, em matéria como essa, seria natural que o usuário se retraísse um pouco, com receio de seu próprio candidato. Mas não foi o que aconteceu com Bolsonaro, sua rede fazia uma defesa convicta a cada “ataque” grave divulgado na imprensa.
Considerações finais (com algumas proposições não exaustivas)
Este post é um resumo de todas as nossas observações durante o segundo turno. Não contempla todas as variáveis possíveis. Portanto, é apenas uma humilde perspectiva sobre os efeitos de algumas delas. Acreditamos que as informações aqui detalhadas sejam capazes de contribuir para um balanço geral dos erros e acertos das campanhas desse ano, e para pensar melhor os enormes desafios que se apresentam às futuras.
– Estamos certos, diante desta, que não dá mais para construir qualquer campanha sem considerar os aspectos tecnólogicos em voga e que passaram a influenciar sobremaneira o comportamento das pessoas em seu cotidiano.
– A cultura contemporânea está sendo fortemente alterada e transformada pela introdução de novas ferramentas interacionais computacionais. Faz-se necessário, contextualmente, compreender melhor quais são elas e o peso real na vida das pessoas, de seus sistemas de crenças (ideologias).
– Especialistas em tecnologia da informação e comunicação ainda são pouco prestigiados, mas estão assumindo papéis cruciais nas campanhas eleitorais. Os marqueteiros que se cuidem, o reinado pode até continuar, mas não será mais em zona de conforto como era antes.
– Acabou a histórica vantagem. Se os conservadores raramente conseguiam contar com bons intelectuais estrategistas frente aos progressistas, agora eles largam na frente com a promissora Ciência de Dados, como um de seus principais suportes. Boa parte do campo progressista ainda não se preparou para lidar com essa nova forma de fazer política (metrificada).
– O eleitor não deve ser mais visto como um peixe a ser pescado. Ele deve ser visto como alguém que pesca com você. Isso torna a sua campanha escalável. Campanhas pouco escaláveis, assim como softwares, são mais vulneráveis a obsolescências e ataques.
– A campanha nesses novos tempos não deverá ser tão centralizada. Ela deve se descentralizar ao máximo que puder, mantendo apenas um eixo conceitual condutor (código-fonte), tão discreto quanto poderoso. Numa analogia, um comitê central não deve se comportar como se fosse um Hub mas como um roteador dinâmico (a rede é inteligente, possui firewall [gestão de crise/combate a fake news], não fica presa a um único emissor e é capaz de interconectar várias redes).
– O eixo conceitual da campanha deve estar implicado na realidade imediata das pessoas, não na dos idealistas (com todo o respeito que temos aos idealistas). A teoria, na prática, é outra. Há um “dataísmo” crescente nos processos produtivos da sociedade contemporânea, o que nos parece um caminho sem volta.
– Uma campanha não deve mais ser controlada até o fim do processo. Para alcançar o objetivo ela deve, é verdade, começar controlada, porém com desejo profundo de descontrole. Este é o signo maior de sucesso (pense no cidadão/eleitor assumindo voluntariamente a promoção e advocacia da sua campanha, tudo por conta própria. Isso é descontrole).
– Do top-down ao down-up, e vice-versa. É preciso libertar o fluxo da informação para que novos atores surjam na defesa de estratégias circunstanciais, sem mais a hegemonia de um “QG intelectual” pré-estabelecido. Esse é um dos desafios difíceis. Lógica P2P (ponto-a-ponto) e/ou “autocomunicação de massa”, conceito de Manuel Castells.
– A formação de frente ampla não é, fatalmente, a melhor saída. É preciso uma melhor reflexão sobre essa questão. Caso o ambiente legislativo e jurídico não avance adotando medidas duríssimas no combate a fake news nas próximas eleições, a técnica enviesada dos vencedores continuará eficiente. Sabe aquele ditado “matar dois coelhos com uma só cajadada”? Pois é.